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  • Foto do escritorValdemir Pires

40. Noções de tempo: do cosmo ao eu (Tempo - Livro I)

Atualizado: 26 de mai. de 2021


O que mais diretamente remete o senso comum ao tempo é o relógio (afinal, por definição, a máquina de medir o tempo, hoje onipresente). Mas o ponteiro ou seu equivalente digital captam quase nada a respeito do tempo, na sua impotência para medir além das unidades convencionais chamadas segundos, minutos e horas, frações da duração do giro da Terra em torno de seu eixo.

Ao remeter ao movimento de rotação do planeta, as frações do relógio ligam entre si duas dimensões do tempo: a sideral e a cronológica.

O tempo cronológico é medido de duas maneiras. Primeiro, pelo relógio, através do já mencionado fatiamento da duração do giro completo da Terra em torno de seu eixo. Segundo, pelo calendário, que acompanha o giro do planeta em torno do Sol (que dura aproximadamente 365 dias). O fenômeno dos dias e noites decorre do fato de a Terra ter apenas um dos lados esféricos diante do sol à medida em que gira; vêm daí, também, os fusos horários, organizados em gomos da esfera, ou meridianos. Quanto ao fenômeno das estações do ano (primavera, verão, outono, inverno), decorrem da inclinação de aproximadamente 24 graus do eixo da Terra em relação ao Sol, tornando mais quente ou mais fria uma área geográfica conforme o planeta gira e muda a incidência dos raios de luz e calor sobre ela. Essas maneiras de medir o tempo cronológico desfrutam de muita consistência devido à sua natureza astronômica: elas não são arbitrárias, têm substância, digamos, estelar. Vemos que são uma invenção fabulosa quando paramos para pensar detidamente nelas.

O tempo sideral, ou seja, relativo ou pertencente aos astros e estrelas, para nós, tem a ver com giro (portanto, movimento). Somos capazes de dizer quantas horas dura o dia e quantos dias tem o ano nos outros planetas do Sistema Solar, a partir do tamanho de cada uma das esferas e da distância a que estão do Sol. Aplicamos o mesmo raciocínio e técnica dos nossos relógios e calendários a planetas distintos que podemos “ver”, mesmo que isso seja pura arbitrariedade, um tanto vazia.

O tempo cósmico, universal, é ainda mais difícil de conceber. As ferramentas de que dispomos permitem precária aproximação. Dizia Carl Sagan (1934-1996) que universo é “tudo que foi, tudo que é, tudo que será”. Isso abarca desde imensos astros e estrelas, sistemas e galáxias (dimensão sideral) até partículas infinitamente pequenas (dimensão quântica). Como conceber um tempo que seja válido e mensurável em todo esse amplo âmbito? Para o que é imenso, estelar, nos socorre a luz. A partir da distância calculada por meio do chamado ano-luz (a conhecida velocidade da luz no vácuo multiplicada pelo número de dias do ano) e calculando o tempo cronológico que um raio leva para ir e voltar de um ponto a outro, manipula-se a noção de tempo. Mas para o que é infinitamente pequeno, que fazer? Para isso estão nos ajudando os aceleradores de partículas, operando com partículas subatômicas e energia concentrada e dirigida/controlada.

Os estudos da Física vão aos poucos levando a descobertas que só fazem aprofundar a percepção da nossa insignificância e, também, talvez, da nossa singularidade (pensante), no universo. O que significa o tempo, tal como por nós concebido, no mundo fora da Terra? Nada além de uma curiosidade que temos, e que nos leva a uns poucos (mas para nós imensos) esclarecimentos nesse mar de mistérios em que estamos mergulhados, como um grão de areia num deserto do tamanho da Via Láctea ou maior.

O tempo cronológico nos orienta e organiza maravilhosamente, estando, como já se viu, diretamente relacionado ao espaço, astronomicamente percebido. Ele tem, portanto, um componente geográfico-sideral, digamos assim. Mas nós carecemos de outras noções de tempo. Não nos basta medir o evoluir do tempo no nada. Precisamos de algo mais palpável, que tenha a ver com nossos corpos no espaço.

Como vivemos sobre superfícies rodeadas por água, nela nos movendo (hoje como nunca com nossas máquinas terrestres, aquáticas e aéreas), e como essa superfície é resultado do que foi acontecendo à massa da esfera terrestre (moldada pelo calor de seu núcleo e pelos movimentos da água e do ar de sua atmosfera), formulamos a noção de tempo geológico, dividindo a história física do planeta em eras que caracterizam a crosta terrestre, seu relevo, sua fauna, sua flora, suas condições atmosféricas, desde o início até agora: eras arqueozoica (iniciada há 4 bilhões de anos, com a formação da crosta), proterozoica (2,5 bilhões de anos atrás, marcada pelo surgimento das primeiras formas de vida), paleozoica (entre 550 e 250 milhões de anos atrás, momento do surgimento de florestas, insetos e répteis), mezozoica (250 milhões de anos atrás, tempo de vulcanismos, formação dos fundos dos mares, era dos dinossauros), cenozoica (dividida em fase terciária, há 60 milhões de anos atrás – formação dos continentes e surgimento das aves e de alguns mamíferos; e fase quaternária, há um milhão de anos – em que surge o homem). O tempo geológico é mais lento que o cronológico, no sentido do que pode acontecer ao longo de seu passar. Enquanto o tempo cronológico mede a duração de acontecimentos ao longo de uma vida humana (menos de uma centena de anos), o geológico a mede com relação a acontecimentos geológicos (formação de relevo, por exemplo) e os grandes momentos da evolução da vida no planeta.

O tempo, então, pensado a partir de uma concepção que o aborda do geral para o particular, do mundo para nós, como coletivos e como indivíduos: tempo cósmico (universo), tempo sideral (estrelas, entre elas nosso Sol), tempo geológico (planeta Terra), tempo cronológico (nossos dias e anos). E, agora, histórico.

O tempo histórico situa o indivíduo no coletivo humano em sua atividade sobre o espaço. A História é o que juntos estamos fazendo no planeta, desde que nele aparecemos. E esses fazeres são divididos também em momentos que somos capazes de situar “no tempo”. A História, como a Geografia, se move à base de eras ou idades, na primeira, sob o impulso da ação humana; na segunda, por força dos elementos da natureza (Geografia Física), acrescidos das intervenções do homem (Geografia Humana). Temos as Idades Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, delimitadas por acontecimentos de profundas transformações no nosso modo de viver, social, política e economicamente falando. A elas antecede a Pré-História, cujas características a Paleontologia tenta desvendar, hoje lançando mão de procedimentos de datação tecnicamente amparados pela Física e pela Química. Há uma História Geral (do mundo todo) e Histórias dos povos e países, singularmente considerados, o que revela, outra vez, a interface entre tempo (História) e espaço (Geografia) – o que acontece em um lugar, não acontece ou não se manifesta do mesmo modo em outro, e esses acontecimentos se influenciam à base de proximidades e distâncias. O que chamamos de História e de tempo histórico, eras ou idades, são exclusivas do Homem: não acontece (pelo menos ainda não), em Marte, Saturno ou Vênus (mas já alcançou a Lua).

Por fim, fundamental, o tempo biológico, aquele que abarca uma vida humana, caracterizada por nascimento, vida (dividida em “eras individuais”: infância, juventude, maturidade, velhice) e morte – uma biografia (ainda que não venha a ser escrita). Vida compreendida num intervalo de menos de uma centena de anos, baseada na energia manifestada pela pulsação cardíaca (que dá o ritmo do relógio do corpo). Tempo de um corpo, com sua estrutura física (seus sistemas) e seu metabolismo (absorção de oxigênio e nutrientes, para geração de energia, que sustenta a atividade (desenvolvida na superfície, ao longo do tempo), sob controle de um cérebro, à base de impulsos elétricos. Corpo que abarca as dimensões somática e psicológica, ambas, mas principalmente a segunda, sob forte influência do meio em que se insere: as coisas e os outros. Há, pois, no corpo, um tempo somático (controlado pelas células e sistemas do organismo) e um tempo psicológico (um modo de “sentir o tempo”, a partir da mente). A Neurociência hoje faz avanços importantes para desvendá-los.

Será, um dia, possível um “relógio” que meça um tempo único, que abarque, simultaneamente, as dimensões cósmica, sideral, geológica/geográfica, histórica e somático-psicológica, indo além do cronológico que até aqui concebemos? Não, provavelmente não. Se isso for descoberto, é provável que receba outro nome. E com o nomear fugiremos, outra vez, da nossa ignorância básica acerca do tempo, que nos parece tão familiar, mas, de fato, não é, com seu preenchimento que, temporariamente, evita o nada, sem trazer o que seria o tudo.

É isso! Uma viagem no tempo. Seria possível alguma que não essa, meramente especulativa, uma viagem trafegando livremente entre entre passado, presente e futuro? Sei lá! Estão pensando nisso faz tempo e as conclusões são precárias. Eu acho que não, por mais que pense sobre o tempo.

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