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  • Foto do escritorValdemir Pires

Texto da fala inicial do evento de pré-lançamento de Tempo - Livro II na comunidade de leitores

Atualizado: 19 de jun. de 2021



Boa noite, muito agradecido pela presença de todos e todas. Agradecimento especial à Vivian de Moraes, pela ajuda nesta noite e, sobretudo, pela assessoria de imprensa competente e afetiva ao projeto “Tempo”, desde seu início.


É uma noite de “túnel do tempo”, no qual encontro amigos de velha data, que a erosão produzida pelos anos nunca levará; noite também de enraizamento de novas amizades, dos últimos anos, principalmente entre ex-alunos e ex-alunas. Momento emocionante, para mim.


É uma noite de grande alegria, pela comemoração de um ano de existência deste grupo de leitores e por estar compartilhando, pela primeira vez, o segundo resultado deste projeto: “Tempo – Livro II”, de que todos aqui receberão um exemplar em pdf (única forma de publicação). Só peço que o solicitem pelo e-mail pires.valdemir@gmail.com, para que eu não esqueça de ninguém e saiba para onde enviar para cada um. Repito o e-mail: pires.valdemir@gmail.com .


A alegria que sinto nesta noite é de um tipo incomum, pois aqui estamos para nos dedicar a algo evidentemente desprovido de importância pragmática; algo tão aparentemente inútil, bobo, que chega a beirar o desperdício de tempo.

Se assim parece (ou é, sei lá), desperdicemos, então, pois desperdiçar tempo, no mundo em que vivemos, é revolucionário, já que é prática proibida e punida com sofrimento e morte (imposta pela escassez), por aqueles que dominam e exploram o tempo alheio, o tempo da maioria dos seres humanos. Revolucionar é necessário. E revolucionar é impreciso, como viver, impreciso como o relógio e a bússola do poeta, que não o orientam, no mundo e nas relações, mais do que o amor à vida.


Se posso dizer que este projeto e estes livros com que aqui nos envolvemos têm um objetivo (talvez nem tenham, no sentido usual, pragmático, da palavra objetivo), é provável que seja o de ajudar a resgatar o tempo da falsa familiaridade quotidiana que ele carrega, refletindo sobre sua natureza e sobre sua fundamentalidade na existência humana.


Na fronteira do pensamento científico, no âmbito da Física e da Cosmologia, o tempo virou nada: por um lado, a Física da relatividade afirma que o que há, concretamente, é o espaço-tempo (não há tempo, isoladamente considerado) e que não existe um tempo objetivo no universo – o tempo é relativo, o que faz dos nossos relógios uns mentirosos; por outro lado, a Física quântica, lidando com as infinitamente pequenas partículas elementares, reduz o tempo a tão pequenos lapsos temporais que pode-se dizer que ele não chega a existir, tal como entendemos a existência: tudo é evento, nada é coisa, nem nós.

Nós, seres humanos, entretanto, não levamos a vida no universo macro, de infinitas grandezas, medidas aos bilhões e trilhões, com a ajuda da luz e da teoria da relatividade; nem a levamos no universo micro, de infinita pequenez, perseguida pelos aceleradores de partículas sob o esclarecimento da física quântica. Nós vivemos no nível meso, entre a infinita pequenez e a infinita grandeza. Nesse nível, o tempo é tão presente como nosso corpo e nossa mente, incapazes de se isolar da passagem dos dias, horas, anos. Nossa finitude inexorável, de menos de um século, nos leva a ter com o tempo uma relação quotidiana definidora do que somos.


Na Filosofia, que não se limita a refletir sobre objetividades, como acontece nas Ciências, colocando os por quês acima dos como, o tempo é abordado de forma mais humana, no que diz respeito a considerar nossas visões de mundo e da vida, aceitando a interferências de valores e incertezas. Nesse campo de conhecimento, talvez estejam na fronteira do pensamento dois filósofos que pretenderam renovar, senão reinventar, a Metafísica, coração da Filosofia: o francês Henri Bergson e o alemão Martin Heidegger.

Bergson pensa o tempo como duração. E esta, tomada como dado da mente humana: sentimos nossa duração como sendo ininterrupta, do nascimento à morte – portanto, o tempo, como vida humana, não é uma sucessão de pontos (já que entre pontos há intervalos), mas algo contínuo, retido pela nossa memória (passado) e produzido pela nossa imaginação (futuro): o que somos é lembrança e projeção (passado evocado e futuro expectado no presente que segue continuamente, tornando-se passado e adentrando novos futuros).

Heidegger, em sua abordagem fenomenológica, afirma que não devemos confundir o ser com o ente. O ente vivo e consciente, o humano, não é como os entes pedra ou flor, por exemplo: ele se projeta no futuro, ele não é pronto e acabado, ele se faz no tempo e no mundo. No humano, o tempo está embricado com o ser, assim como o tempo está imbricado com espaço, na relatividade einsteiniana – indissociavelmente.

Ciência (com seus conceitos) e Filosofia (com seu modo radical de operar, não fragmentado conceitualmente e não preso ao pragmatismo da subsistência) são caminhos para buscar o entendimento do tempo – e da vida, por extensão. Mas não bastam. A Arte, deve ser a outra trilha, com seu modo intuitivo de operar, gerando conhecimento que só é possível obter pelo ângulo do belo, dos sentimentos, do revelado, diante dos mistérios.

Aqui paro de pensar e passo a provocar, como convite para refletirmos juntos sobre o tempo. Para isso, antecipo um fragmento em versão preliminar, de “Tempo – Livro III”:


O desconhecido

Longe de mim, menina, querer amedrontá-la. Muito menos semear receios em tuas benquerenças e em tuas andanças. A vida é uma aventura; e o mundo, um lugar para explorar – estás certa nesse teu corajoso jeito de pensar. Já sabes que toda aventura tem seus riscos, que todo lugar esconde alguma armadilha. Então, se quiseres, nem leves em consideração o que vou dizer. Apenas permita-me falar; ouça, não será demorado.

Esse teu inseparável companheiro, com quem andas para cima e para baixo, de dia e de noite, chova ou faça sol, esteja frio ou calor, menina, não o conheces, apesar de toda intimidade que tens com ele. E não digo que eu tudo saiba a respeito dele, mas certamente sei mais que tu, pois o tenho observado com atenção desde que me conheço por gente. Não quero usar essa vantagem (que talvez seja, na verdade, uma desvantagem) para tentar influenciar tua vida ou interferir em teus relacionamentos. Não, assim proceder é incorreto, injusto, feio. Longe de mim.

Quero apenas que saibas que este com quem dormes, comes, bebes, compartilhas, enfim, toda a tua vida, é, de fato, muito perigoso. Já que não poderás se livrar dele, e sei que nem queres separar-te, tens que saber disso, pois do contrário sofrerás demais, à toa.

Ele é perigoso, repito, além de traiçoeiro, muitas vezes. Sou testemunha de que já estragou a vida de outras pessoas. E mata, mata sem piedade, sem arrependimento. Faz isso e segue em frente, sem olhar para trás. E ninguém é capaz de detê-lo.

É verdade que esse a quem não escapa nem uma sílaba do teu falar ou um curto lapso de teu pensar e, portanto, te parece tão íntimo e acolhedor, fazendo-te desejá-lo acima de qualquer coisa, também é capaz de bondades e belezas de que tanto tu como eu podemos dar testemunho. Além disso, ele sabe consolar como ninguém. E, como juiz, não há quem o iguale em capacidade para bem sentenciar.

Tomes cuidado, menina, com o Tempo: nem eu, que o conheço faz meia dúzia de décadas, posso dizer que sou capaz de prever seu humor e seus movimentos e de lidar com ele sem surpresas, sobressaltos e reveses. Não vás, porém, tomar essa advertência como uma mosca na tua sopa. Saboreies tudo que o Tempo te oferece, seja doce, salgado, amargo, azedo, quente, frio, bonito, feio, leve, pesado... Quando ele te abandonar – e ele certamente vai abandonar-te um dia desses (eu o conheço bem quanto a esse defeito) – nem de saudade poderás mais desfrutar: será o fim, o definitivo fim.

Vá, menina, viver! Abraça e beija o teu Tempo com toda intensidade de que fores capaz. Ele agora está para ti, mesmo estando também para os outros, sem nunca pertencer a ninguém. Pega, menina, o teu quinhão! Não permitas que o roubem de ti.


Piracicaba, 27/05/2021

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