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  • Foto do escritorValdemir Pires

25. O tempo engole as raízes (Tempo - Livro I)

Atualizado: 14 de mai. de 2021


Imagem: Documento pessoal do bisavô materno do autor


“Olhar” para trás no “túnel do tempo” é um modo de descobrir quão pouco longínquas, quão recentes, são as nossas raízes reconhecíveis. De fato, vivemos tomando contato e consciência de um espaço muito restrito (um pequeno pontinho no mundo) e de um número muito pequeno de pessoas, inclusive considerando-se as mais próximas, como os membros da própria família (ao todo, uma fração infinitamente pequena dos seres humanos que nos são contemporâneos e daqueles que nos antecederam).

De olho no passado em busca dos nossos ascendentes, procurando construir nossa árvore genealógica (sem qualquer pretensão a não ser descobrirmo-nos), nos damos conta de que conhecemos nossos pais (2) e nossos avós (4), a maioria convivendo com os seis; indo longe, pode-se conhecer ou saber sobre os bisavós (8), não todos; muito raramente, dos tataravós (16) sabe-se algo. O alcance é de aproximadamente 4 gerações (100 anos) anteriores à nossa, quando muito, considerando-se que cada uma tem duração de 25 anos (idade, em média, em que um homem e uma mulher se tornam pai e mãe).

À clássica pergunta filosófica “De onde viemos?” junta-se, para quem busca suas raízes, uma outra “De quem descendemos no passado longínquo?”. Ambas permanecem sem resposta para todo mundo, a não ser que se aceite a hipótese bíblica.

Olhando para a foto que ilustra este texto (documento do governo paulista para controlar os imigrantes durante a Primeira Guerra Mundial), fico sabendo que o pai da mãe da minha mãe (Salvador Longo) foi um calabrês; nasceu na comuna da Grisolia (Cosenza - A Cidade das Sete Colinas), na Itália, no dia 3 de março de 1898; em setembro de 1911, ele (então com 13 anos) desembarcou em Santos, trazido pelo navio Rivene, como imigrante destinado às fazendas de café, junto com a família. O documento da minha bisavó (Genoveva Zulilan) informa seu nascimento (13 de julho de 1904), sua procedência (Padova), data do desembarque em Santos (27/11/1914) e o navio (Garibaldi). Estiveram na delegacia de polícia de Araras, Estado de São Paulo, no mesmo dia, para obter a certidão de registro de estrangeiros exigida em 1941: a dela é a de número 611, e a dele 612. Ambos católicos, tiveram 7 filhos (entre eles minha avó Angelina, casada com Angelim Romano). É provável que tenham se conhecido na fazenda cafeeira para onde suas famílias se dirigiram; trabalharam juntos na lavoura, foram às mesmas missas e quermesses e logo se casaram e começaram a ter filhos.

Descubro, ainda nos documentos expedidos em 1941, os nomes de meus quatro tataravós maternos, ampliando a quantidade de sobrenomes italianos que podem ser de pessoas de quem sou, de algum modo, parente desconhecido (Pinhata – provavelmente Pignata e Perin). Se tiverem tido seus filhos aos 25 anos (sendo provável que isso tenha ocorrido mais cedo), as minhas raízes parcamente conhecidas, por esta via, chegam a aproximadamente 1870, pouco menos de 100 anos antes do meu nascimento. Descobrir mais, recuar mais no tempo seria um empreendimento encantador, porém inviável para mim.

Mesmo a respeito desses “conhecidos” tataravós sei muito pouco. As perguntas sem respostas, para sempre, avolumam-se na medida em que penso, com carinho, nessa gente humilde (meus pobres ancestrais, além dos Pires e Bueno, de parte de pai, trazidos, bem antes, por alguma caravela ousada), vinda do outro lado do oceano, munida de fé e coragem, em busca de um mundo melhor, terminando por “naufragar” em terras roxas (terras rossas). No fim das contas, eu sei mais da História Universal e da História do Brasil do que deles. Ainda que tivessem sido gente que “faz história” eu não saberia muito mais.

Algumas coisas eu posso supor a respeito desses bisavós e tataravós italianos, por conhecer fatos históricos, da Itália e do Brasil, do tempo em que viveram. Sabendo o que acontecia nos dois países no período 1870-1920, dá para imaginar como e porque decidiram imigrar e porque escolheram o Brasil; dá para entender de que modo se tornaram meros peões num tabuleiro cujas peças eram movidas por gente que planejava e organizava uma fase do desenvolvimento econômico, mundial e brasileiro, daí tirando imensas vantagens. Mas suas biografias me são desconhecidas. Não sei como se conheceram os tataravós, se sentiam um pelo outro um verdadeiro amor, como foi a travessia oceânica que fizeram e que impressão esta lhes deixou, o que sentiram aos serem transformados em “colonos”, como se adaptaram a um novo país, como criaram seus filhos, como lidaram com os preconceitos (principalmente durante a Segunda Guerra), o que sabiam e o que aprenderam a fazer etc.

Quanto mais recuamos no tempo, menos sabemos de nós mesmos, por distante ficar a humanidade concreta e singular de nossos ancestrais, que se tornam, assim, meros nomes e dados esparsos, quando registrados (o que é raro) de modo que podemos identificá-los. E eles, nossas raízes, não passam disso, por mais que sejam numerosas (e em geral não são) as informações que possamos deles obter. Algo podemos acrescentar através de relatos orais de seus contemporâneos, mas esses coetâneos deles são escassos, porque já tinham morrido quando podíamos e quisemos inquiri-los, levando consigo, para o incógnito para sempre indevassável, as biografias historicamente irrelevantes que teceram, com suas alegrias e tristezas (mais destas), feitos e frustrações. O tempo engole nossas raízes.

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