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Foto do escritorValdemir Pires

52. Tempo e livros (Tempo - Livro I)




Arte: Interpretação de Romualdo Sarcedo (Roma), do Viva Poesia


Viva Johannes Gutenberg (????-1468)! Louvado seja São Jerônimo (???-420 d.C.)! Benditos sejam o livro e a leitura! Obrigado a todos os leitores que, por meio de seu aperfeiçoamento pessoal, ajudam a melhorar o mundo! Obrigado, sobretudo, aos que escreveram, escrevem e escreverão, fortalecendo os alicerces da cultura e ampliando os edifícios do conhecimento, da reflexão, da sabedoria e da beleza. Os escritores são anjos sem asas (a não ser as da imaginação) que foram enviados para iluminar a vida e o caminho dos que cultuam a leitura.

            Mesmo os analfabetos e os alfabetizados que desperdiçam sua habilidade, não lendo, devem aos livros e aos escritores. Depois do cachorro (imbatível), o livro é o melhor amigo do homem – se não lhe abana o rabo, é porque não o tem. Em compensação, não obriga a recolher fezes... E assim como cachorros, existem por aí milhões de livros abandonados, à espera de adoção, com aquela carinha e olhar de coitados.

            O livro é um amigo silencioso e eloquente ao mesmo tempo; um  professor que calmamente ensina e nunca admoesta; uma fonte de luz com energia própria; um embelezador do espírito; uma porta aberta para o palácio da razão, com uma janela escancarada para espreitar o que foge a ela; um abrigo contra a voracidade da barbárie; uma música que abafa o ruído da ignorância; uma ponte para o mundo encantado, uma caixinha de doces surpresas; um furação ao encalço das certezas infundadas e da prepotência da estupidez.

            Uma biblioteca pública é um templo monumental, uma catedral do conhecimento e da sabedoria. Uma biblioteca particular, uma igrejinha ou capela com seus altares e coleção de santos, cada um com seu particular milagre, comprovados nas próprias páginas.

            A biblioteca pessoal é o labirinto do espírito de seu dono. Ali estão as trilhas que levaram ao que, em boa medida, ele se tornou, é e tem potencial para vir a ser, enquanto foi, está e continuará lendo e desejando ler; nessas trilhas, os degraus que subiu e as pedras em que tropeçou, as valetas em que caiu e os cumes que escalou, em busca do mundo e de si. Um passeio pelos títulos é um exercício de evocação do passar dos anos do leitor e dos seus relacionamentos. Permite recordar onde, com quem e fazendo o quê estava em cada momento da vida pontuada por leituras. Leva ao resgate de sentimentos e emoções passados, que se conectam aos presentes. “Quando eu estava lendo Calvino pela primeira vez, na Livraria X, tomava café com RMM.” “No meu aniversário de x anos, BM me deu este livro de Saramago, com uma dedicatória inesquecível: ‘Aceite, professor, este livro, que lhe dou, como Dom Quixote aceitaria de Sancho Pança uma espada para combater os seus moinhos.” “Que ano era quando Moacyr Scliar escreveu esta dedicatória em meu exemplar de ‘Os leopardos de Kafka’ (‘Para Valdemir, homenagem a seu talento (de economista e de leitor). Um abraço.’?” “Por onde andará AGE, que em Sagarana dedicou-me, depois de citar Brecht: ‘Para um companheiro imprescindível, uma lembrança de seu amigo.’”

            Folhear obras de uma biblioteca pessoal (Não faça isso sem permissão!) é encontrar pistas das camadas que foram se acumulando com o tempo, resultando, por sedimentação e misturas entre si, na personalidade de seu dono – títulos presentes e ausentes, obras lidas e não lidas, estragos nas capas e lombadas (quanto manuseio!), anotações e sublinhados nas folhas, uma carta, um selo ou uma pétala entre as páginas, uma improvável cédula de cem dólares. Se o bibliófilo é também autor, ele ali estará, com sua obra: um anãozinho entre os gigantes, seus tutores.

            Sentar-se confortavelmente no meio de estantes forradas de livros, com vários deles na mesinha ao lado, onde pode estar também uma taça de vinho ou uma xícara de café ou chá, quem sabe uma guloseima ou uns “beliscos”, conforme o clima e as circunstâncias – eis algo com que se deleita o leitor, no seu cantinho preferido no universo. Ou, bem aplicando horas vagas, percorrer estantes em busca de algo para aprender, descobrir, relembrar ou simplesmente saborear; demorar par encontrar, só pelo prazer de continuar buscando; ficar triste pela dimensão limitada da própria biblioteca. Ou, ainda, passar horas em busca de um conto, cujo autor e nome não vêm à memória, que uma pessoa querida pediu que lhe lesse novamente, em voz alta, como de uma vez anterior. Gostar de ter que, de tempos em tempos, limpar e reorganizar o santuário dos anjos com asas-páginas de saber e imaginação.

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