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Foto do escritorValdemir Pires

50. Tempo e metas: o sendo (Tempo - Livro I)



Uma das tantas contribuições filosóficas de Martin Heidegger (1889-1976) é a concepção, em Tempo e Ser (1962), de que “…de maneira alguma o presente enquanto presença pode ser determinado a partir do presente enquanto agora. (…) O tempo autêntico é a proximidade unificante do tríplice alcançar iluminador de presença a partir do presente, do passado e do futuro.”

Esta sintética afirmativa dá margem a inúmeras reflexões, conduzindo a conclusões que tanto podem ser genuinamente heideggerianas, como podem ser abastardamento da visão de mundo, de homem, de ser e de tempo de seu formulador. Para qualquer direção que se vá, porém, o ponto de partida é extremamente iluminador: desmonta afirmativas do tipo “Viva o aqui, agora!”, pois isso não é possível, já que o agora está contaminado pelo ontem (enquanto ponto da trajetória) e pelo amanhã (enquanto vontade de que venha a acontecer como almejado); e do tipo “Planeje utilizando metas e indicadores de resultados, se quer ser eficaz!”, pois este pode ser (e no mais das vezes é) um procedimento meramente tecnocrático, desprovido da “alma do tempo” (que, simultaneamente, é a alma do “ser sendo no mundo”), com a qual se lida ao planejar.

O “ser aí”, o homem na perspectiva fenomenológica de Heidegger, é um sendo no tempo e no mundo, não é determinado, está em aberto: “Só no tempo é que o ser aí pode se projetar, se enfrentar com o mundo em busca de seu projeto projetado”. O presente, então, mais do que o agora, contempla o homem já se lançando. A busca já vai determinando o hoje que, quando for passado, será um passado que a busca, em parte, desenhou. Nem o tempo nem o homem podem ser “fatiados” (caixinha do ontem, caixinha do hoje, caixinha do amanhã; eu ontem, eu hoje, eu amanhã).

A busca individual atual não determina (só marca, profunda ou superficialmente) o passado e o futuro, porque, sendo individual, terá que ser “negociada” com o mundo, repleto de outras buscas. O que eu desejo ser ou conquistar não é senão uma vontade junto ou contra outras vontades, num fluxo de relacionamentos que a todos afeta e ao sabor do qual o ontem-hoje-amanhã vai se tecendo. Resultado é o que vem daí, que ninguém controla, quando muito influencia, competente ou incompetentemente, eficaz ou ineficazmente.

Planejamento e metas (tecnicamente considerados), então, não podem ser tecnocraticamente adotados (ou seja, adotados objetiva e neutramente, como se se lidasse com objetos). Há que se partir da aceitação de que são instrumentos de gestão que lidam com uma realidade e com seres extremamente complexos, que estão sendo, raramente passivos, mesmo que pacientes. De tal sorte que planejamento e metas serem dialogados, pactuados, fruto de consensos parciais e provisórios bem urdidos, não é uma escolha de gente mais propensa à democracia ou que exagera na importância desta, mas uma necessidade intrínseca da “ferramenta” planejamento. Vai daí que metas quantitativas, em planejamento organizacional, institucional ou político-administrativo jamais podem ser “produto de gabinete” ou imposição de “gestor” que, em tese, domina técnicas de planejamento. Toda meta é, claramente, um desejo, cuja conquista requer mobilização de vontades. Se uma meta aparece num programa ou projeto apenas como uma anotação de quem o escreveu (vazia de conteúdo social e relacional), mesmo que esteja associado a indicadores que tecnicamente permitam avaliar até que ponto esta meta foi atingida, ela não passa de um desperdício de esforços e recursos, quando não é, ainda menos e mais grave, fruto de prepotência tecnocrática (de quem a exige) e/ou reação falsificadora (da parte de quem, ao planejar, é obrigado a obedecer) para cumprir imposições normativas desprovidas da percepção e do senso da vida-que-é-sendo-no mundo.

Quer isso dizer que planejamento com metas, indicadores e avaliação de resultados é inviável? Não, isso quer isso dizer que planejamento com metas, indicadores e avaliação de resultados que reduzem o homem e as relações humanas a variáveis estritamente quantitativas, sem considerar que planejamento é, sobretudo, busca (que requer mobilização de vontade, no plural quando busca coletiva), é planejamento natimorto, mas também e sobretudo, arma poderosa do que hoje se denomina necropolítica, nome que se dá ao manejo e uso do poder (grande ou miúdo, como o do/a burocratinha de médio escalão) visando produzir a morte, normalmente do “inimigo”, que é todo aquele que não concorda com os necropolíticos de plantão, em geral escudados pelos seus argumentos tecnocráticos pseudocientíficos nos quais a vida do outro é apenas uma variável dentro do modelo (vida como objeto assemelhado às coisas, caso se queira seguir na esteira heideggeriana crítica da tecnologia desumanizante).

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