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Foto do escritorValdemir Pires

30. O tempo tecido em nós (Tempo - Livro I)


Arte: Estandarte poético de Neusa Medrado (vídeo de Tiê Graneto)


O tempo não tece. Deixado a si, é uma linha reta infinita. O tempo fornece o fio com que tecemos nossas histórias de vida. Puxamos da linha única do tempo os pedaços que vamos conseguindo, e, com eles, seguimos tecendo, tecendo, depois de colori-los e fracioná-los em diferentes tamanhos, conforme as circunstâncias, as necessidades e os desejos de cada momento, ao sabor de planejamento e acaso, muito acaso. Uma atitude, uma decisão, uma ação e até mesmo a inoperância e a indiferença são pedaços do fio do tempo a que vamos dando destino, assim compondo o tecido das nossas vidas – nossas singulares biografias, diferentes entre si, no tamanho, no formato, na textura, no colorido. Artesãos mais hábeis ou menos hábeis, tecemos até chegar o fim do novelo, quando não mais dispomos de pedaços do fio do tempo (quando morremos).

Tecemos nossas vidas juntamente com outros tecelões, próximos e distantes, amados ou odiados, submissos ou dominadores. Às vezes cedemos pedaços de fio nossos ao tecer dos outros, às vezes recebemos deles e outras vezes, ainda, disputamos fios entre nós. Dessa interação inevitável, de resultado imprevisível, brota a História: a soma dos tecidos individuais, feios e bonitos, fracos e fortes.

Há fios que nunca se encontram: o tempo passa, terminam os novelos e jamais se tocam ou entrelaçam. Há fios que se emaranham, resultando em nós, fáceis ou difíceis de desatar. Há fios que seguem paralelos, próximos ou distantes, desejando-se ou não o encontro. Há fios que se trançam harmoniosamente. Fios todos que são porções de tempo de uns e outros, em convivência harmoniosa ou conflituosa.

O ódio e as guerras são o rasgar dos tecidos, o arrebentar ou incinerar dos fios.

A solidão é o que acontece quando, ao invés de ir “dando linha”, passamos a recolher o fio de volta ao novelo, que, então, torna-se inútil, novelo que não serve ao tecer, tecer que é viver.

O amor e a amizade são o resultado de um tecer harmonioso, em que as linhas de completam e se reforçam, colorindo as biografias e tornando a História apreciável do ponto de vista das emoções.

A arte é um modo de gastar fios com o misterioso e encantador, tecendo o indizível que se pode sentir, mas não justificar ou explicar.

A fé é a crença em um Artesão superior, às vezes solícito e às vezes não; é a esperança inabalável de que o fio de cada um volta, depois de sair, à linha do tempo, sendo infinito.

A esperança é a crença de que tecer vale a pena.




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