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  • Foto do escritorValdemir Pires

39. O tempo e o poeta (Tempo - Livro I)

Atualizado: 14 de mai. de 2021


Compositor de destinos

Tambor de todos os ritmos

Tempo tempo tempo tempo

(...)

Por seres tão inventivo

E pareceres contínuo

(...)

És um dos deuses mais lindos" (Caetano Veloso, Oração ao tempo).


Temos a nítida impressão de estar mergulhados, imersos, no tempo. Ele nos envolve. Mas o poeta, ser incomum, se coloca diante do tempo: o tempo lá, ele cá. E lhe fala, reverente, mas sem temor.

O seu falar é elogioso: o tempo é um deus, dos mais lindos. Sua beleza está em ser inventivo e parecer contínuo. Não é, então – só parece – contínuo? Mas não teria um deus que ser contínuo, onipresente? O poeta tem licença, mesmo diante de Deus.

Ainda que não contínuo, embora pareça, o tempo compõe destinos. E o seu próprio destino, qual seria: a descontinuidade disfarçada em continuidade? E quem dar-lhe-ia este destino, se o tempo é o destinador-compositor? O poeta não filosofa, nem racionaliza, sente, imperfeito, como a vida.

Sob o prisma da poesia, o tempo é cantado – como a lua, o mar, o amor. Canta-se o tempo em todos os ritmos, dos quais o próprio tempo é o tambor, num círculo que se fecha e ecoa.

Na sua aparente monotonia – simplesmente passa – como pode o tempo ser inventivo? Mente, o poeta, para adular o tempo, já que lhe fará um pedido?:


Peço-te o prazer legítimo

E o movimento preciso

Tempo tempo tempo tempo

Quando o tempo for propício


O prazer legítimo e o movimento preciso são os desejos do poeta. É ao tempo que vai pedi-los. Mas para ser atendido somente quando o tempo for propício: não convém pressionar o tempo para que os desejos se realizem. Ele é um deus que tem seu ritmo, inalterável.

Saberá o tempo alguma coisa de prazer (legítimo ou não)? Do movimento o tempo tudo sabe, é dele o medidor, junto com o espaço. Mas, não tendo corpo, como entenderá o prazer? O poeta cutuca o deus, reivindica o seu mais fácil e o seu mais difícil.

Destino, desejos/pedidos, prazer, movimento/ritmo. Tudo na cesta, o poeta se dirige, submisso e desafiador, ao tempo-deus. Não leva oferendas, a não ser elogios. O que promete – não em troca e amarrada a um outro pedido – é uma qualificação do seu pleito (prazer legítimo e movimento preciso):


De modo que meu espírito

Ganhe um brilho definido

(...)

E eu espalhe benefícios


O poeta quer, apenas, ser bom poeta e, com a boa poesia, espalhar benefícios. O poeta quer ajudar a poesia a chegar aos corações. Mesmo que seja somente “quando o tempo for propício”.

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