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Foto do escritorValdemir Pires

42. Tempo, guerra e paz (Tempo - Livro I)



É por causa da certeza da morte que damos atenção ao tempo; fôssemos eternos, não haveria necessidade deste conta-gotas de duração, de vida transcorrida, chamado relógio. Embora em momento incerto, a morte é certa; a vida, portanto, transcorre sob permanente incerteza, explícita incerteza (embora por nós quotidianamente escamoteada) sobre até quando permaneceremos vivos.

A guerra perturba a confiança de que a vida tem ainda muitos dias, meses e anos pela frente, ela reduz a chance de continuar vivendo, aumenta a probabilidade de morrer amanhã, depois ou na semana que vem. Isso acontece diretamente para os que combatem e indiretamente para os que continuam levando suas vidas “normalmente”; e com atuais recursos tecnológicos utilizados nas guerras (altamente devastadores) as ameaças são praticamente as mesmas para civis e militares.

“A guerra é (...) um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”, diz Carl Von Clausewitz (1780-1831). Por isso, o tempo, em tempos de guerra, não é (como durante a paz) um pulsar imaginário que respeita as batidas do coração (vida), mas um fustigar onipresente para provocar a fuga ou o enfrentamento, um permanente estado de alerta, que a todos transforma em animais selvagens, prontos para matar, sob risco morrer. (E nisso, muitos morrem, alguns sem sequer saber o porquê, tanto de ter morrido, como da guerra.)

A diplomacia, para o mesmo Clausewitz, é a continuidade da guerra através de meios pacíficos. Ou seja, nela continua-se a “forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”, mas utilizando a força do argumento em vez do argumento da força. É como se a diplomacia fosse a violência civilizada, na qual continuamos sendo os animais de sempre, prontos para matar e morrer, mas evitando isso ao máximo, graças ao poder das palavras, exclusivamente humanas.

Nos conflitos entre nações, começar pela guerra, abrindo mão do tratamento diplomático, é regredir no processo civilizatório. É obrigar o relógio histórico à trajetória anti-horária, antivida. Da mesma maneira, desconsiderar instância mediadoras (Organização das Nações Unidas – ONU, por exemplo[1]) e tratados que disciplinam a própria guerra, no intuito de reduzir-lhe a letalidade (Conferências de Haia, de 1899 e 1907, por exemplo). No mais das vezes, quem paga o preço, altíssimo, disso, são os que menos têm a ver com os conflitos e ataques: os cidadãos comuns, na sua luta diária pela sobrevivência, permeadas pelas suas pequenas alegrias.

Bravura e guerra são expressões diretamente associadas entre si; o bravo sendo condecorado e ganhando admiração, galgando postos na carreira militar. Não nos damos conta, entretanto, que bravo, mesmo, é ser da paz, pela paz, e ser capaz de evitar a guerra: é ser diplomata de grosso calibre (calibre, aqui, no bom sentido, claro). O que conduz à concordância com Raymond Aron (1905-1983), quando afirma: “Se Clausewitz estiver certo ao dizer que a guerra é uma mera continuação da política por outros meios, eu ouso dizer que diplomatas são soldados que usam a política para defender os interesses nacionais por meios pacíficos.”

Em tempos de interesses de megacorporações financeiras e industriais em confronto e de grandes potências mundiais buscando consolidar ou conquistar proeminência, num cenário de profundas transformações e incertezas (com todos os medos a isso associados), há que se lutar diariamente, nas arenas políticas, para que os poderosos não “percam a cabeça” (no caso dos que revelam tê-la) e se envolvam em aventuras que trarão destruição e dor em escalas insuportáveis. Que eles, sob nossa pressão diária, não se esqueçam de um conselho de quem muito soube sobre “Guerra e Paz”, Leon Tolstói (1828-1910): “O poder neste mundo é um capital precioso que é preciso saber poupar.”

O poder extremo é a violência (a capacidade de guerrear, no caso das nações), poupá-lo é intensificar a ação diplomática. Que o tempo (o nosso tempo, o tempo do homem comum, o tempo das batidas cardíacas, da vida, vivida em paz) corra, neste momento, a favor dos senhores da paz (aqueles que nos representam, no mundo das ideias e do poder), pois os senhores da guerra já estão todos prontos para agir, inclusive os mais miúdos, sedentos de migalhas e afagos vindos dos verdadeiros comandantes do apocalipse.

[1] A Carta da Organização das Nações Unidas, em seu art. 2º, alínea 3, estabelece que “todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais”.

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