Arte: Interpretação teatral do fragmento por Carlos AB C.
Curriculum Vitae, em latim, algo como “correr da vida”. CV, abreviadamente. Documento pessoal que há décadas é requisito básico na busca de emprego. Oferece breves e relevantes informações sobre o interessado em ocupar uma vaga. Serve principalmente para que os potenciais empregadores realizem uma avaliação prévia das capacitações e habilidades dos que se oferecem para compor sua força de trabalho. Há quem diga que o primeiro deles foi elaborado por Leonardo Da Vinci (1452-1519), lá por 1480. Porém artistas não têm currículo, mas sim portfólio ou book (no caso de modelos). Além disso, é mais provável que, com o sentido atual, o CV tenha sido inventado, secretamente, por um raro aprendiz de vidreiro medieval alfabetizado, dirigido ao “concorrente” de seu mestre, menos sovina. Ou talvez tenha sido concebido antes, por um escriba do faraó, contendo um item como o que hoje os orientadores de elaboração de currículos recomendam, para destacar o “diferencial” do profissional: “Fui o responsável, durante o cumprimento de minhas tarefas, pela introdução de dois novos hieróglifos que tornaram a comunicação muito mais eficiente”.
Curriculum, ou correr da vida (vitae) remete ao tempo. Responde à pergunta: Como você preencheu o seu tempo de vida até aqui? Mas a responde com foco no aspecto profissional da pessoa, quase exclusivamente, pois se abarcasse todos os âmbitos da existência não seria currículo, mas biografia. E, como orientam os profissionais de RH, “Não nos mande uma biografia, porque não temos tempo pra desperdiçar com isso”.
O currículo é um lugar para mentir sobre o que se fez ao longo da vida profissional, pois nele comparece somente o que habilita o interessado ao cargo desejado (tudo o mais deve ser omitido, sob pena de atrapalhar a empregabilidade) – pedaços de tempo somem, como se não tivessem existido. Além disso, num CV há que se dar a impressão de que o tempo todo o profissional esteve “antenado” na sua capacitação e habilitação, assim como nas “entregas agregadoras de valor” pertinentes à sua profissão.
Ainda bem que o CV não é exigido para tudo na vida. Imagine-se, por exemplo, se o fosse para as relações amorosas. O sujeito destacaria ter sido casado com Maria das Prazeres (ou a moça, com Amaro dos Anjos) e se separado dela, por iniciativa própria, ao ter constatado que seu nome deveria, antes, ser Maria das Dores (ou Amaro Total, no caso da moça). E listaria justificativas específicas para amparar sua avaliação e iniciativa para o divórcio. E emendaria: “Guardei severa quarentena de três anos e agora estou em busca de novos aprendizados afetivos, propondo-me a continuar sendo sincero e também compreensivo até o limite adequado para isso.”
Não, CV é coisa séria. Tão séria que a maioria vai para o lixo. Por quê? Porque noventa por cento serve para que o recrutador identifique, muito rapidamente, os candidatos que não lhe interessam e, por isso, sequer serão entrevistados, por economia de tempo. Tanto é verdade, que altos executivos não são selecionados fazendo-se uso desses documentos populares: eles são alvos dos head hunters (caçadores de talentos). Viu só?
Enquanto isso, coitados dos iniciantes. Não têm o que colocar no Curriculum, porque suas vidas ainda não transcorreram o suficiente para proporcionar recheio atraente: “Solteiro. Cursando o segundo ano de Administração de Empresas, com bom desempenho acadêmico, sou honesto, sincero e trabalhador, com grande capacidade de aprendizado e disposição para aceitar desafios...” Imagine o profissional do RH lendo isso. Que mundo!
Seria bem interessante um profissional em meio de carreira, lembrando-se que o uso do tempo é, não totalmente, mas em boa medida, uma escolha, fizesse um CV do que não fez, mas poderia ter feito, para, assim, talvez, tomar impulso para se reinventar. Neste CVH (Curriculum Vitae Hipotético) as veredas não trilhadas, mas acalentadas, seriam iluminadoras do trajeto futuro. Outro modo criativo de pensar a carreira, fazendo uso do CV, seria redigi-lo para os próximos vinte anos como se esse tempo já tivesse passado e os objetivos e metas profissionais tivessem sido atingidos: “Uau, foi (é) assim que eu me tornei (tornarei) o cara!”
Absit injuria verbo...
Arte de Carlos ABC
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