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Foto do escritorValdemir Pires

41. Tempos e produtividade (Tempo - Livro I)


Arte: "Ponto e Horário", de Pedro Klein, por ele mesmo, em vídeo de Ana Flávia Sardelari, 2020.


A característica essencial da Idade Média foi o predomínio da visão teológica na determinação da vida. Sob o Teocentrismo vivia-se, ou pelo menos tentava-se obrigar a que se vivesse, em função dos desígnios de Deus, a Igreja garantidora – a ferro e fogo – dessa ideia. O próprio tempo de vida terreno era tido como de pouco ou nenhum valor: tudo deveria ser feito e transcorrer a bem da vida pós-morte. O medo do inferno era gigantesco, pressão suficiente para moldar atitudes e comportamentos.

Deus morreu, aquele Deus medieval não mais existe. Com ele desapareceu aquele tipo de sociedade, com suas fabulosas catedrais, por razões nada teológicas, por razões econômicas que só mais tarde foram se esclarecendo. Na transição, para evitar o caos, foram sendo inventados governos, dando no que hoje se chama Estado. Essa macroinstituição (hoje assim chamamos) serviu e ainda serve para botar alguma ordem no pardieiro. Diriam os formuladores da teoria das elites, embora com palavras mais suaves: Essa massa de pobres precisa temer algo ou alguém! É feita de gente sem rumo, mas capaz de botar fogo no mundo, quando se junta, revoltada.

O Estado não morreu (e ainda por cima, há quem, aqui e ali, queira ressuscitar Deus como seu condutor), mas anda raquítico e vitimado por vampiros. Um novo deus está garroteando-o: o deus Mercado, que se diz com benévolas mãos tão invisíveis como o deus cristão. Faz tempo que ele exige e recebe, porque senão assassina sem dó, o tempo da imensa maioria das pessoas. Quem tenta fugir, vê a terra transformada no pior dos infernos. Não há quem consiga fugir a trabalhar ou empreender, hoje em dia, em algum “templo” fabril, comercial, agrícola ou de prestação de de serviços.

Há décadas, o deus Mercado anda irado. Rejeita oferendas que sejam apenas tempo; exige que seja tempo turbinado, tempo que, ao ser gasto, dá resultados superiores; exige, em uma palavra, alta produtividade. Menos não é aceito e quem tenta oferecer é exemplarmente punido. E mais: os sacerdotes atuam pesado para impedir que o Estado socorra os “malandros”.

Portanto, aumente a sua produtividade ou pereça! Mesmo sabendo que a cada aumento, um novo e maior incremento será exigido. Mesmo sabendo que o deus Mercado é uma besta suicida, que o está usando para se matar: quanto mais produtividade ele consegue de todos, menos renda ele distribui; e menor vai se tornando a massa de poder de compra que torna viável a produção levada a efeito com tamanha produtividade. O deus Mercado não tem noção do que fazer com o tempo que lhe dedicam e não tem nenhuma inclinação para obrigar os sacerdotes da produtividade a dividirem com o povo as benesses que auferem pelo papel que desempenham.

Não é possível ressuscitar o Deus medieval para que dê um jeito no deus Mercado. E o Estado, pobrezinho, que nunca foi Deus, será que vai aguentar a tortura a que vem sendo submetido, sem que os seus potenciais protegidos façam algo em seu favor?




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